1.1 Religião e estado antes da era cristã
Muitas pessoas de hoje, ao aceitarem com naturalidade que a religião é uma questão individual que não diz respeito ao governo e aos governantes, não imaginam o quanto este conceito é recente na longa história da humanidade. Para os homens antigos a distinção entre uma esfera religiosa e outra não religiosa não teria qualquer sentido, pois tudo estava profundamente permeado pelo sagrado. De maneira geral, no período anterior aos hebreus, o relacionamento entre a religião e o estado (rei) consistia numa união estreita das duas forças, o estado sendo geralmente o parceiro dominante.
Em contraste, entre os antigos hebreus havia uma teocracia, termo este cunhado por Flávio Josefo (c.37-c.100 AD). A fé mosaica não era simplesmente a religião do estado: ela era, pelo menos até o início da monarquia, o próprio estado. A religião monoteísta de Iavé, com as suas numerosas leis e instituições, regulava todos os aspectos da vida dos israelitas, individuais e coletivos. Durante a monarquia, muitas vezes houve conflitos entre os reis e a religião, especialmente no reino do norte. As políticas religiosas de Jeroboão ilustram claramente a inevitável corrupção da religião quando esta se torna um instrumento de promoção dos propósitos do estado (1 Reis 12:26-33). Em linhas gerais, a teocracia hebraica foi mais pura antes da monarquia e novamente na Diáspora, após o exílio babilônico.
Na Grécia antiga, como em outros lugares, não havia distinção entre o religioso e o secular. A unidade entre religião e estado que caracterizava as cidades-repúblicas gregas era aquela de um estado dominante e uma religião subserviente. O cidadão ateniense, enquanto livre para cultuar os seus deuses particulares, tinha o dever de participar do culto a Zeus e Apolo do modo prescrito pela lei.
Na Roma imperial, o imperador era também o Pontifex Maximus ou sumo sacerdote da religião do estado. Por interesses políticos, César Augusto (27 AC-14 AD) ordenou a restauração dos templos e do antigo culto aos deuses. Ele também iniciou a verdadeira religião da Roma pré-cristã: o culto ao imperador. Mais tarde, quando esse culto tornou-se plenamente institucionalizado, a recusa em adorar a César passou a ser vista como um ato de deslealdade, atraindo a ira do estado. Somente os judeus conseguiram escapar. Seu monoteísmo radical, que proibia qualquer forma de idolatria, tornava-lhes impossível participar do culto ao imperador. Eventualmente, eles foram dispensados de orar ao imperador. Deviam apenas orar por ele, e contribuir, como todos os outros cidadãos, para a manutenção dos templos públicos. (Ver Leo Pfeffer, Church, state, and freedom, p. 3-11)
2. Igreja e Estado: sinopse histórica
2.1 Cristãos e o estado no Novo Testamento
O cristianismo surgiu no contexto de uma relação tensa entre os judeus e o Império Romano. Jesus ensinou claramente o princípio da separação entre os dois reinos com a célebre declaração de Mt 22:21: “Daí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. No seu nascimento e na sua morte, Jesus experimentou a ira dos poderes constituídos (Mt 2:3,13; 27:2,11,37; Lc 23:2,8-12), porém o seu maior conflito foi com o sistema religioso, não com o sistema político. Outras referências aos governantes nos evangelhos são encontradas em: Mt 20:25-26; Lc 2:1-2; 3:1-2,19; 13:32; Jo 18:36; 19:11.
A atitude predominante de Atos é simpática às autoridades romanas. Procura-se eximi-las da responsabilidade pela morte de Jesus (2:23; 3:13,17); quando as autoridades perseguem os cristãos, é por instigação dos judeus (13:50; 14:5; 17:5-9); os cristãos são pacíficos e cumpridores da lei: eles são perseguidos injustamente (16:19-22, 35-39; 18:12-16); em várias ocasiões, as autoridades os defendem (19:35-40; 21:31-36; 22:25-29; 23:21-24); Paulo reconhece a autoridade de César para julgá-lo (25:10-12).
As epístolas recomendam uma atitude de obediência às autoridades e intercessão por elas: Rm 13:1-7; 1 Tm 2:1-2; Tt 3:1; 1 Pe 2:13-14. Porém, em Apocalipse 13 o Império Romano é identificado com a besta que persegue os cristãos. O compromisso maior dos cristãos é com Cristo, o Senhor (Fp 2:11); a sua verdadeira pátria está nos céus (3:20). Isso relativiza a importância do estado e de todas as instituições humanas.
2.2 A igreja primitiva e o Império Romano (64-313 AD)
Os cristãos não fizeram qualquer tentativa de formular uma teoria das relações entre a igreja e o estado no período pré-constantiniano. Nos primeiros séculos, embora não tivessem o direito legal de existir, os crentes em geral seguiram a admoestação paulina de sujeição às autoridades superiores (Rm 13:1), exceto quando tal sujeição entrava em conflito com preceitos bíblicos ou a pregação do evangelho (At 5:29). Durante cerca de 250 anos, a relação da igreja nascente com o império foi em geral tensa e muitas vezes abertamente conflitiva. Nesse período, a recusa dos cristãos em participar do culto imperial atraiu muitas vezes a ira e a hostilidade do estado.
A primeira perseguição do governo romano contra os cristãos foi promovida por Nero (54-68 AD), em conexão com o incêndio de Roma no ano 64. Sob suspeita de ter ordenado o incêndio, Nero pôs a culpa nos cristãos, até então pouco conhecidos e mal compreendidos pela população em geral (ver os relatos de Tácito e Suetônio). Essa foi a possível ocasião do martírio de Pedro e Paulo (ver I Clemente). O próximo perseguidor dos cristãos, ainda no primeiro século, foi Domiciano (81-96 AD). Esta perseguição (c.95) também foi dirigida contra os judeus e parece ter se limitado a Roma e à Ásia Menor. Nesta última, a repressão imperial deu ocasião ao livro do Apocalipse, que revela uma atitude muito mais negativa para com Roma que o restante do Novo Testamento (ver Ap 17:1,6; cf. Ayer, 11). A identificação dos cristãos com os judeus provavelmente explica as palavras de Suetônio ao descrever a expulsão dos judeus de Roma durante o reinado de Cláudio, c.51-52 AD (cf. Bettenson, 27, e Atos 18:2).
No segundo século, surgiu uma política “oficial” do império em relação aos cristãos, como mostra a correspondência entre Plínio, o Moço, governador da Bitínia, e o imperador Trajano (c.112). Os cristãos, pelo simples fato de serem tais, não cometiam crime contra a sociedade e o estado. Assim, os recursos do estado não deviam ser gastos em ir ao seu encalço. Porém, uma vez acusados e levados diante das autoridades, eles precisavam adorar os deuses do império ou sofrer punições. Ver Bettenson, 28-30, 33.
Entre os mártires ilustres desse período estão Inácio, bispo de Antioquia (c.110, cartas a Magnésia, Trales, Éfeso, Roma, Filadélfia, Esmirna e a Policarpo); Policarpo, bispo de Esmirna (155); Justino Mártir (165); e os cristãos de Lião e Viena (Gália, 177). Em conseqüência disso, surgiu uma ideologia do martírio: ver Inácio aos Romanos 1.2-2.1; 4.2. Esse é também o contexto da obra dos apologistas: ver Apologias de Justino, Tertuliano; Epístola a Diogneto (Bettenson, 33-34; Barry, 31-37, 39). Acusações contra os cristãos: ateísmo, incesto, canibalismo; eram vistos como subversivos, desleais a Roma: sua recusa em participar do culto imperial podia ofender os deuses e atrair males sobre o império. Tertuliano: “o sangue dos mártires é semente”.
Terceiro e quarto séculos: perseguição sob Septímio Severo (193-211) e a primeira perseguição geral sob Décio (249-51): esforço sistemático de impor o culto aos deuses para restaurar a antiga grandeza do império. Exigência de certificado de sacrifício aos deuses (libellus: exemplo em Cairns, 92, e González I-87). Atitudes dos cristãos: mártires, “confessores” e muitos apóstatas (sacrificati e libellatici). A atitude da igreja para com os que foram infiéis: rigoristas (Novaciano, bispo rival em Roma) e tolerantes (“confessores”). Cisma no norte da África e ações de Cipriano em defesa da unidade da igreja: readmissão dos faltosos pelos bispos, mediante certas condições. Mártires célebres: Orígenes, torturado na perseguição deciana, morreu algum tempo depois (c.253); Cipriano foi decapitado em 258, durante a perseguição promovida por Valeriano.
Diocleciano (284-305) e seu vice (César) Galério (292-311) promoveram a última, maior e mais cruel perseguição contra a igreja primitiva. Mais intensa no leste em geral, norte da África e Itália. Convicção de que a existência do cristianismo estava rompendo a aliança de Roma com seus deuses, o que punha em risco o destino do império. Anos 303-304: decretos ordenando destruição de igrejas, confisco dos livros sagrados, prisão dos líderes cristãos, obrigatoriedade de oferecer sacrifícios. Outra vez, muitos morreram, sofreram ou apostataram. Com o afastamento de Diocleciano, a perseguição continuou no oriente até 311, quando Galério, do seu leito de morte, promulgou um edito de tolerância no qual suplicava a intercessão dos cristãos.
2.3 A aliança entre a igreja antiga e o estado (313-590)
Em 306, Constantino (†337) foi aclamado imperador pelo exército e tornou-se o “César” do ocidente, com autoridade sob a Britânia, Gália e Espanha. Em 312 ele derrotou o seu rival Maxêncio (senhor da Itália e norte da África), tornando-se o único imperador da parte ocidental do Império Romano. Na véspera da famosa batalha da Ponte Mílvia, perto de Roma, Constantino teve um sonho em que viu as primeiras letras do nome de Cristo e as palavras “Com este sinal, vencerás”. Disposto a confiar a sua causa ao Deus dos cristãos, ele fez com que o monograma Chi-Rho fosse pintado nos escudos dos soldados. Quando ele entrou em Roma em triunfo, os costumeiros tributos de agradecimento aos deuses de Roma foram omitidos. O imperador havia lançado a sua sorte com a causa minoritária dos cristãos e desde então considerou o Deus cristão como o protetor do império e o patrocinador da sua própria missão de reforma e reconstrução. (Ver Walker, 125.)
No ano seguinte (313) Constantino e Licínio, o imperador do oriente, encontraram-se em Milão e chegaram a um acordo acerca dos cristãos. O célebre Edito de Milão proclamou a liberdade de consciência, concedeu ao cristianismo plena igualdade com os outros cultos e ordenou a devolução de todas as propriedades eclesiásticas confiscadas durante a perseguição. Eventualmente, Licínio impôs sérias restrições à vida pública das igrejas. Unindo interesses políticos e religiosos, Constantino derrotou Licínio em 324, tornando-se o único governante do império. As igrejas despertaram para o fato de que a causa de Roma e a causa de Cristo haviam se tornado uma só.
Ao assumir o controle do leste, Constantino apercebeu-se de um grave conflito teológico que ameaçava a unidade e a estabilidade do império. Era a controvérsia ariana, iniciada pelo presbítero Ário, por volta de 318, em Alexandria, que versava sobre a natureza ou status de Jesus Cristo. Para resolver o problema, Constantino (o pontifex maximus) convocou todos os bispos do império a se reunirem em Nicéia, na Ásia Menor, para o que veio a ser o primeiro concílio universal da igreja (325). O próprio imperador presidiu os trabalhos da assembléia e influenciou as suas decisões no sentido da adoção praticamente unânime de um credo que excluía o arianismo. Constantino e seus sucessores também afetaram a vida da igreja fazendo grandes concessões à mesma e aos seus líderes (edifícios, doações, cargos, privilégios – ver Bettenson, 45-48), ao mesmo tempo que reprimiram o paganismo.
As décadas seguintes viram as constantes ingerências de Constantino e dos seus filhos nos assuntos internos da igreja, seja para resolver as divergências resultantes da formulação de Nicéia, seja para sanar cismas, rivalidades pessoais e outras questões. A igreja iniciou a prática de recorrer às autoridades civis para impor as suas decisões e aplicar penalidades aos insubmissos. Por diferentes razões, Atanásio, o bispo de Alexandria (328-373) e defensor intransigente da ortodoxia nicena, foi exilado cinco vezes por Constantino e seus sucessores.
Juliano, “o Apóstata” (361-363) ainda tentou restaurar o paganismo como religião do império. Eventualmente, subiu ao trono um enérgico soldado e administrador espanhol, Teodósio I (379-395), o Grande, que marcou a vitória definitiva da ortodoxia nicena na igreja e no império. Depois de Nicéia, Constantino e seus sucessores haviam em geral apoiado os arianos, por conveniências políticas do império oriental. Foi o esforço ingente de Atanásio e depois dos três capadócios, Basílio de Cesaréia (†379), Gregório de Nazianzo (†389?) e Gregório de Nissa (c.395), que garantiu a aceitação da fórmula de Nicéia no oriente.
Em 380, Teodósio e seu colega Graciano promulgaram um edito decretando que “todos os povos” do império deviam “praticar… a religião que é seguida pelo pontífice Dâmaso [de Roma] e por Pedro, bispo de Alexandria” – a saber, o cristianismo ortodoxo que confessava “a única Divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (cf. Bettenson, 51; Ayer, 367). Este decreto, que marcou o triunfo do partido niceno sobre o arianismo, também marcou um novo momento na história da relação das igrejas com o estado romano. Claramente o cristianismo era agora a religião oficial do império e todas as outras foram proibidas, inclusive as formas variantes do próprio cristianismo. Seguindo os seus predecessores, Teodósio convocou em 381 um sínodo de bispos orientais que ficou conhecido como o Concílio de Constantinopla, e que teve como tarefa primária a afirmação da plena divindade do Espírito Santo.
A transferência da capital de Roma para Constantinopla (330), entre outros fatores, levou a uma diferente concepção das relações entre a igreja e o estado na região oriental, em comparação com o ocidente. No Império Romano Oriental, mais tarde o Império Bizantino, e conseqüentemente na Igreja Ortodoxa, a teoria e prática predominante veio a ser o cesaropapismo, isto é, a suprema autoridade exercida pelo governante secular sobre a igreja, mesmo em questões doutrinárias.
No ocidente, com o declínio do Império Romano, a igreja teve mais liberdade de um controle direto pelas autoridades civis, o que, entre outros fatores, contribuiu para o fortalecimento do papado. (No ano 476 o general germânico Odoacro destronou Rômulo Augústulo, o último imperador do ocidente.) Em parte por causa da liderança imperial ineficaz e em parte devido à autoridade inerente atribuída à igreja de Roma, os bispos romanos tiveram de assumir a responsabilidade por questões judiciais, defesa militar e outras matérias seculares.
Foi nesse contexto que o papa Gelásio I afirmou pela primeira vez a doutrina das duas espadas (494), escrevendo ao imperador bizantino Anastácio I: “Existem dois poderes pelos quais este mundo é principalmente governado: a autoridade sagrada dos papas e o poder real. Destes, o poder sacerdotal é muito mais importante, porque tem de prestar contas acerca dos próprios reis humanos diante do tribunal divino… Tu sabes que a ti compete, em matérias concernentes à recepção e reverente administração dos sacramentos, ser obediente à autoridade eclesiástica, ao invés de controlá-la” (ver Barry I, 147). Em outras palavras, existem duas esferas separadas, a igreja e o estado, nenhuma exercendo os direitos da outra. Todavia, a esfera espiritual é superior à temporal, e nos conflitos o papa e o bispo prevalecem sobre o imperador porque são responsáveis pela salvação deste. Essa teoria foi utilizada insistentemente pelos papas medievais.
O grande imperador Justiniano (527-565) ignorou solenemente a teoria dos dois poderes, colocando a igreja dentro do sistema estatal. Sua grande coleção e restauração da lei romana, as Institutas de Justiniano, incorporou conceitos cristãos, deu garantias legais à fé ortodoxa, penalizou heresias e apoiou a obra missionária. O papa, os bispos e os clérigos deviam ser nomeados para os seus cargos e regulados em suas vidas particulares; os concílios eclesiásticos foram limitados em sua liberdade. Ver Barry I, 142-47.
2.4 Igreja e estado na Idade Média (590-1517)
Durante a Idade Média, a teoria dos dois poderes foi geralmente aceita, mas a questão da supremacia permaneceu indefinida. O estado era universalmente considerado uma instituição cristã, tendo a obrigação de sustentar, proteger e difundir a fé. A lei canônica afirmava que o estado tinha o dever de punir os hereges, e este dever foi aceito pelo estado. Mas também houve incessante debate entre os teólogos e juristas canônicos sobre o verdadeiro sentido da teoria das duas espadas de Gelásio. Eventualmente foi articulado o conceito de uma única sociedade com dois aspectos, cada qual com suas responsabilidades.
Foi isto o que veio a ser chamado de corpus christianum: a idéia de que a igreja e o estado, conquanto em princípio sociedades distintas, estavam unidas em uma só comunidade. A distinção entre elas consistia principalmente em suas hierarquias separadas (papa e imperador, etc.), com suas diferentes funções, e nos sistemas legais que administravam. O ideal de muitos, seguindo a visão de Agostinho em A Cidade de Deus, era a existência de uma comunidade cristã universal chefiada pelo papa.
No início da Idade Média, a igreja lutou para libertar-se da intrusão dos governantes seculares. Após o século VI, emancipados do controle direto desde Bizâncio, os papas cresceram em prestígio e poder, tanto na área espiritual como na temporal. Os papas passaram a interagir com os fortes reinos cristãos da Europa central, fundados pelos antigos povos bárbaros que destruíram o Império Romano ocidental. Foi o caso dos francos, a primeira nação bárbara a abraçar o cristianismo católico (ou seja, não ariano), quando o rei Clóvis e os seus súditos foram batizados em 396. Alguns séculos mais tarde, a dinastia dos carolíngios prestou grandes serviços à igreja e aos papas, mas também sentiu-se à vontade para interferir em assuntos eclesiásticos.
Carlos Martelo (714-741) salvou a Europa do avanço maometano ao derrotar os árabes vindos da Península Ibérica na célebra batalha de Tours, na França central (732). Seu filho, o rei Pepino, o Breve (741-768), efetuou a doação de terras à igreja no norte da Itália que deu origem aos estados papais – que perduraram até 1870 e hoje estão reduzidos ao Vaticano. Ainda em meados do século VIII, surgiu um documento forjado, a Doação de Constantino, que não somente reiterava a antiga pretensão dos papas a uma autoridade universal na igreja, bem como a crença tradicional de que a autoridade do sacerdote é superior à do governante secular, mas também reconhecia o direito dos papas de governarem Roma e os outros territórios bizantinos da Itália. Ver Bettenson, 139-43.
Um evento importante nas relações entre a igreja e o estado ocorreu no ano 800, quando o papa Leão III coroou o filho de Pepino, Carlos Magno (768-814), como imperador. Carlos Magno foi o maior monarca da primeira metade da Idade Média: tentou restaurar o império do ocidente, promoveu a cultura (o “renascimento carolíngio”), protegeu e controlou a igreja e ajudou os papas. Com idéias próximas do cesaropapismo, ele desejou limitar a função do papa a questões puramente espirituais, mas não teve herdeiros hábeis que dessem continuidade às suas políticas. Com o declínio do império carolíngio, o principal centro do poder na Europa passou para os vizinhos dos francos ao leste, surgindo o Sacro Império Romano Germânico, o principal poder político da Idade Média, que perdurou até 1806! Oto I, o Grande (936-73) inspirou-se em Carlos Magno e também foi coroado imperador pelo papa, em Roma (962).
Papas posteriores usaram o precedente da coroação de Carlos Magno e de outros soberanos para mostrar que os imperadores recebiam as suas coroas do papado. Por outro lado, certos imperadores reivindicaram o direito de interferir na eleição dos papas e de aprovar aqueles que eram eleitos para os principais cargos eclesiásticos (a assim chamada “investidura leiga”). Assim, no séc. XI estavam presentes os elementos de uma grande confrontação entre o papa e o imperador, entre a igreja e o estado.
Após um período de declínio e desmoralização no séc. X, o papado experimentou um notável fortalecimento no século seguinte, sob a liderança do célebre Hildebrando, o conselheiro de vários pontífices que depois foi eleito papa com o título de Gregório VII (1073-85). Surgira no início do séc. X um notável movimento pela reforma moral e administrativa da igreja, movimento este centralizado na abadia de Cluny (910). Um século depois, os ideais de Cluny foram progressivamente postos em execução, entre os quais a luta contra o nicolaísmo (casamento ou concubinato dos sacerdotes), a simonia (compra e venda de cargos eclesiásticos) e as investiduras leigas. Em 1059, durante o pontificado de Nicolau II, e sob a influência de Hildebrando, um sínodo romano decidiu que os papas seriam eleitos pelos cardeais. Tal decreto, embora com modificações significativas, regula a eleição dos papas até hoje.
Eleito papa em 1073 e tendo como lema Jeremias 48:10, Hildebrando entregou-se com determinação e zelo à causa da reforma da igreja e do fortalecimento do papado. Com ele teve início a idade de ouro dos papas medievais, em que os papas fizeram as reivindicações mais ousadas e exerceram maior poder político e religioso que em qualquer outro período da história da igreja. Decidido a por um fim às investiduras leigas, Hildebrando (Gregório VII) entrou em confronto direto com Henrique IV, o imperador germânico (1056-1106), quando este insistiu em indicar o arcebispo de Milão. Diante da obstinação do imperador, Hildebrando o excomungou, proibiu-o de exercer a sua autoridade real e isentou os seus súditos de seus votos de lealdade a ele. Ameaçado de deposição pelos nobres, Henrique foi ao encontro do papa, que achava-se hospedado em Canossa, nos Alpes, e por três dias apresentou-se descalço e penintente, suplicando perdão (1077). O papa anulou a excomunhão, Henrique fortaleceu-se, e alguns anos depois invadiu a Itália e obrigou o papa a ir para o exílio, onde veio a falecer.
A controvérsia das investiduras só foi resolvida na Concordata de Worms (1122), entre o papa Calixto II e o imperador Henrique V. Os bispos de todo o império deveriam ser eleitos de acordo com a lei canônica; o rei renunciava à investidura com o anel e o báculo, mas retinha o direito de investir no aspecto temporal com um toque do cetro real. (Ver Bettenson, 154-55). Em princípio, o efeito desse acordo foi que o bispo tinha de ser aceitável tanto para a igreja quanto para o governante civil. Um conflito semelhante na Inglaterra – em que os protagonistas foram o arcebispo Anselmo de Cantuária (1093-1109) e o rei Henrique I (1100-1135) – tinha sido resolvido com base no mesmo princípio: a coroa retinha o direito de investir um novo bispo com a sua autoridade temporal, enquanto que o arcebispo metropolitano o investia com os símbolos da autoridade sacerdotal.
Embora as questões do direito dos papas em depor reis e o papel dos governantes seculares em escolher os ocupantes dos altos cargos eclesiásticos tenham levado décadas para serem resolvidas, o papado eventualmente tornou-se dominante. No séc. XII, o papa Alexandre III (1159-81) forçou o rei Henrique II da Inglaterra a fazer uma penitência pública pelo assassinato de Thomas Becket, o arcebispo de Cantuária (1070). Todavia, o maior dos papas medievais, e possivelmente o mais poderoso dos pontífices de todos os tempos, foi Inocêncio III (1198-1216), aquele que, mais do que qualquer outro, conseguiu realizar o ideal do corpus christianum, a sociedade cristã unificada sob a liderança do bispo de Roma. O primeiro papa a adotar o título “vigário de Cristo,” Inocêncio reorganizou a igreja através do IV Concílio Lateranense (1215) e enfrentou com êxito o rei francês Filipe Augusto e o inglês João Sem Terra, que promulgou a famosa Magna Carta.
O papado entrou em novo período de decadência a partir de Bonifácio VIII (1294-1303). Arrogante e ambicioso, entrou em confronto direto com os poderosos reis da França e da Inglaterra, respectivamente Filipe IV, o Belo (1285-1314), e Eduardo I (1272-1307), que se arrogaram o direito de impor tributos sobre o clero sem autorização papal. Em 1296 Bonifácio promulgou a bula Clericis laicos, que proibia aos sacerdotes pagarem impostos a um governante secular sem a permissão do papa. Os reis reagiram fortemente, proibindo o envio de rendimentos para a sé romana e impondo sanções sobre o clero. Posteriormente, Bonifácio emitiu duas outras bulas contra o rei francês: Ausculta fili (1301) e, principalmente, Unam sanctam (1302), considerada o canto do cisne do papado medieval por suas grandiosas e inúteis reivindicações. Ela afirmava que os poderes temporais estão sujeitos à autoridade espiritual, que, na pessoa do papa, somente pode ser julgada por Deus. Também declarou, seguindo a opinião de Tomás de Aquino, ser “inteiramente necessário para a salvação que toda criatura humana esteja sujeita ao pontífice romano” (ver Bettenson, 159-60). Algum tempo depois o papa foi feito prisioneiro, falecendo um mês após ter sido liberto.
Esses eventos deram um golpe devastador nas pretensões temporais do papado. Um novo fator havia surgido, o sentimento nacionalista ao qual o rei havia apelado com sucesso e contra o qual as armas espirituais do papado pouco puderam fazer. Foi nesse período que começaram a surgir os modernos estados nacionais, sendo a França o primeiro deles. Essa crescente independência e soberania dos governantes e povos europeus iria criar as condições políticas e sociais que favoreceram o surgimento e expansão da Reforma Protestante do Século XVI.
O enfraquecimento do papado e sua submissão ao poder temporal prosseguiu durante todo o século XIV e o início do século XV. Clemente V (1305-14), um papa francês, transferiu a cúria para a cidade de Avinhão, no sul da França, dando início ao chamado “cativeiro babilônico da igreja” (1309-1377). Seguiu-se um período de ainda maior descrédito, o denominado “grande cisma,” em que por quarenta anos houve papas simultâneos em Roma e em Avinhão (1378-1417). Na realidade, após 1409 houve três papas rivais ao mesmo tempo, o terceiro estando sediado na cidade de Pisa. Nessa época surgiu o movimento conciliar, uma tentativa de resolver a crise da igreja através de concílios reformadores. Os Concílios de Pisa (1409), Constança (1414-18) e Basiléia (1431-49) afirmaram a superioridade dos concílios sobre os papas. Todavia, o Concílio de Ferrara-Florença (1438-45) acabou por reafirmar a supremacia papal.
Durante a Idade Média, muitas pessoas sentiram-se descontentes com essa associação duvidosa entre a igreja e o estado. Diferentes grupos de cristãos alegaram que, desde a época de Constantino, a igreja tinha sucumbido diante do mundo ou a ele se conformado, comprometendo o seu testemunho, que devia ter se inspirado no sermão da montanha e nos padrões da igreja primitiva. Surgiram diversos movimentos não conformistas (cátaros, valdenses, lolardos, hussitas, etc.) que foram considerados heréticos e sofreram perseguições por parte da igreja e do seu braço secular, o poder estatal.
Uma das principais ferramentas usadas na supressão das heresias foi a sinistra Inquisição ou Santo Ofício, instituída no séc. XIII pelos papas Inocêncio III e Gregório IX e entregue a uma ordem criada recentemente com outros objetivos, os dominicanos. Utilizando sistematicamente a delação e a tortura e negando aos acusados os mais elementares direitos de defesa, os precessos freqüentemente resultavam na execução dos réus impenitentes, entregues ao poder civil para serem queimados vivos. Uma das características mais odiosas da Inquisição era o confisco dos bens do herege confesso. Como esses bens eram divididos entre as autoridades leigas e eclesiásticas, isto por certo contribuiu para manter aceso o fogo das perseguições. Na Espanha, a Inquisição haveria de tornar-se uma instituição nacional, quando o papa Sixto IV a estabeleceu sob o controle direto dos reis católicos Fernando e Isabel (1478). Por vários séculos a famigerada instituição perseguiu judeus, muçulmanos e protestantes dos dois lados do Atlântico.
No período imediatamente anterior à Reforma Protestante, o trono pontifício foi ocupado por papas renascentistas que se destacaram como patronos das artes e da cultura, ou buscaram seus próprios interesses pessoais e familiares, pouco se importando com a situação espiritual do seu rebanho. Problemas antigos como disputas políticas, simonia, nepotismo, aumento de gastos e novos impostos eclesiásticos caracterizaram o período. Um dos piores papas de todos os tempos foi o espanhol Rodrigo Borja ou Alexandre VI (1492-1503), neto de outro papa. Ele e seus filhos ilegítimos César e Lucrécia levaram a corrupção do papado ao seu ponto mais extremo. Júlio II (1503-13) foi um papa guerreiro que pessoalmente comandava o seu exército. Leão X (1513-21), da célebre família Médici de Florença, afirmou ao ser eleito: “Agora que Deus nos deu o papado, vamos desfrutá-lo”. Ele destacou-se como grande patrono das artes e seu grande sonho foi a conclusão da catedral de São Pedro, em Roma. Em 1516 Leão foi forçado a assinar um acordo com Francisco I da França que deu ao rei enorme autoridade nos assuntos eclesiásticos franceses.
2.5 O período da Reforma Protestante (1517-1648)
O estopim da Reforma foi um acontecimento que demonstrou até que ponto a cumplicidade entre a igreja e o estado era danosa para a vida moral e espiritual da cristandade. Desde 1356, o monarca do Sacro Império Romano era escolhido por um colégio eleitoral composto de três arcebispos (de Mainz, Trier e Colônia) e quatro nobres (o conde palatino do Reno, o duque da Saxônia Eleitoral, o margrave de Brandenburgo e o rei da Boêmia). O arcebispado de Mainz encontrava-se vago e a poderosa família dos Hohenzollern – à qual pertencia o margrave de Brandemburgo – quis tomar para si aquele cargo e assim ter um segundo voto na eleição do imperador. O escolhido para o cargo, Albrecht, um irmão do margrave, estava com dois problemas: não tinha a idade para ser um arcebispo e nem mesmo havia sido ordenado. Assim sendo, os Hohenzollern “compraram” o arcebispado para Albrecht. A dispensa papal especial que permitiu-lhe ocupar aquele cargo custou uma elevada soma de dinheiro, que foi tomada por empréstimo a juros exorbitantes da famosa casa bancária Fugger, de Augsburgo. Para pagar o empréstimo, Albrecht, agora arcebispo, recebeu de Leão X o direito de vender indulgências, metade dos lucros indo financiar a construção da catedral de São Pedro. (Ver Kee, Christianity, 342.) O restante da história todos conhecemos.
Com a Reforma Protestante rompeu-se a unidade da igreja ocidental e surgiu uma variedade de igrejas nacionais. Algumas continuaram a ter comunhão com o papa ao mesmo tempo em que reivindicavam um grau considerável de independência nacional (por exemplo, o galicanismo na França). Outras como a luterana, a reformada e a anglicana, rejeitaram a autoridade papal. Os luteranos e os anglicanos estavam muito mais inclinados que os reformados (calvinistas) a deixar o poder civil (o “príncipe cristão”) governar a igreja. Todavia, a idéia aceita era que em cada país a igreja e o estado formavam uma comunidade: na Inglaterra, Richard Hooker foi o expoente clássico dessa idéia em sua grande obra As Leis da Política Eclesiástica (1594): “Não há nenhum membro da Comunidade que também não o seja da Igreja da Inglaterra” (citado em McManners, 277). A unidade religiosa era considerada necessária para a coerência e estabilidade política de uma nação.
Em lugar da teoria medieval da autoridade última dos papas em questões referentes à igreja e ao estado, os Reformadores apresentaram várias abordagens distintas. Martinho Lutero (†1546) traçou uma nítida distinção entre as áreas temporal e espiritual, mas considerou muitas funções, tal como a administração, como sendo não essenciais. Portanto, a maior parte dos estados luteranos desenvolveram um sistema territorial “erastiano” no qual os príncipes superintendiam questões eclesiásticas. Erastianismo foi a concepção defendida pelo suíço Thomas Erastus (1524-83), professor de medicina na Universidade de Heidelberg, de que o estado tinha o direito de exercer suprema autoridade sobre a igreja em todas as questões. Na realidade, essa doutrina foi mais defendida pelo jurista holandês Hugo Grócio (1583-1645) do que por Erasto.
João Calvino (†1564) procurou fazer uma clara distinção entre as esferas de ação da igreja e do estado, crendo que era dever do segundo manter a paz, proteger a igreja e seguir normas bíblicas nas questões civis. Em geral, Genebra e as igrejas reformadas da Europa tentaram seguir as suas idéias e evitar a dominação civil. O modelo político-eclesiástico vigente em Genebra na época de Calvino tem sido erroneamente denominado de teocrático. Sobre as idéias de Calvino quanto a igreja e estado, ver González, Thought III, 172-74.
Os anabatistas e outros reformadores radicais insistiram, a partir do seu entendimento das Escrituras e das suas próprias experiências, na necessidade da completa separação entre a igreja e o estado. A sua posição pareceu tão anárquica naquela época que eles foram duramente perseguidos por todos os outros grupos, protestantes e católicos. Por sua vez, os anabatistas transmitiram suas concepções sobre a igreja e o estado a outros movimentos congêneres na Inglaterra do séc. XVII: batistas, quakers e independentes.
Mais do que quaisquer outros grupos religiosos dos sécs. XVII e XVIII, os de convicção batista patrocinaram o conceito de que a conseqüência lógica da doutrina da liberdade religiosa era o princípio da separação entre a igreja e o estado. Com base em passagens como Mt 22:15-22 e Rm 13:1-7 eles argumentaram que esse era o único meio de salvaguardar a liberdade religiosa e o sacerdócio dos crentes. Com isso eles queriam dizer que o estado não tinha o direito de interferir nas crenças e práticas religiosas dos indivíduos e das igrejas, e que a igreja, por sua vez, não tinha o direito de receber qualquer sustento financeiro do estado. Receber verbas públicas era abrir as portas para o controle governamental e a perda da identidade religiosa.
Politicamente, o período da Reforma evidenciou uma constante interação entre as igrejas e os poderes constituídos. Na Alemanha, Lutero só teve êxito em sua empreitada graças às ações decididas do príncipe eleitor da Saxônia, Frederico, o Sábio, que o protegeu das investidas do imperador Carlos V (1519-56), o chefe do Sacro Império Romano. Quando do seu célebre comparecimento à Dieta de Worms (1521), Lutero foi colocado sob interdito imperial, sendo ocultado por Frederico no castelo de Wartburgo. O Edito de Worms determinou a supressão do luteranismo.
O imperador Carlos V, necessitado do apoio dos príncipes alemães na luta contra a aliança franco-otomana, fez concessões aos luteranos na Dieta de Spira em 1526. Na próxima Dieta de Spira (1529), Carlos V exigiu que fosse anulada a decisão anterior e que o Edito de Worms fosse aplicado. O forte protesto dirigido ao imperador deu aos seus signatários o nome histórico de “protestantes”. As decisões dessa Dieta fizeram com que os luteranos e zuinglianos se reunissem para tentar formar uma frente unida contra os católicos. O célebre Colóquio de Marburg (1529), realizado no castelo do príncipe Filipe de Hesse, não chegou a bom termo, porque as duas partes, tendo concordado acerca de 14 artigos, divergiram sobre o 15º, no que diz respeito à presença de Cristo na Santa Ceia.
As disputas territoriais entre luteranos e católicos resultaram num período de guerras que terminou em 1555 com a Paz de Augsburgo, que deu legalidade ao luteranismo mediante o princípio “cuius regio, eius religio”. A tentativa de um grupo anabatista radical de implantar uma teocracia na cidade de Münster, resultou em violência e mortandade (1532-35).
Na Suíça, a reforma de Zuínglio dependeu do apoio do conselho municipal de Zurique. Foi esse mesmo conselho que puniu ou executou cruelmente os anabatistas por se oporem à obra de Zuínglio e à unidade religiosa vista como indispensável para a proteção dos cantões protestantes (1526). O próprio reformador morreu numa batalha contra os cantões católicos, a chamada Segunda Batalha de Kappel (1531).
Em Genebra, a implantação da Reforma também teve uma forte conotação política, ocorrendo no contexto de uma insurreição contra os dominadores católicos da Casa de Savóia e a simultânea aproximação do cantão protestante de Berna. A Igreja Reformada de Genebra era uma igreja estatal e durante a maior parte do seu ministério Calvino teve sérias dificuldades com as autoridades civis. Diz Carter Lindberg: “É um erro concluir que Calvino transformou Genebra em um estado policial teocrático. Antes, durante a maior parte da sua carreira, ele teve de lutar para manter a sua autoridade” (Kee e outros, Christianity, 382).
A interferência do poder civil nos rumos da igreja foi especialmente intensa e decisiva na Inglaterra. Nesse país, a implantação da Reforma resultou diretamente da ação dos soberanos. Respaldado pelo antigo sentimento nacionalista e anti-clerical dos ingleses, Henrique VIII (1509-47) transformou a igreja inglesa em uma igreja nacional, separada de Roma, através do Ato de Supremacia (1534), em que o rei foi declarado o “protetor e único chefe supremo da Igreja da Inglaterra”. Graças aos tutores do seu filho Eduardo VI (1547-53), a igreja inglesa tornou-se protestante, sendo aprovados o Livro de Oração Comum (1549-52) e os Quarenta e Dois Artigos (1553). Após uma breve e sangrenta tentativa de retorno ao catolicismo sob Maria Tudor (1553-58), sua enérgica irmã Elizabete I (1558-1603), outra filha de Henrique VIII, tornou a Inglaterra definitivamente protestante.
A Escócia tornou-se presbiteriana por ação do parlamento, no contexto da luta contra os franceses. Os principais protagonistas foram, de um lado a rainha Maria Stuart (1542-87), que após viver muitos anos na França, a terra de sua mãe, retornou à Escócia para tomar posse do trono em 1561; de outro lado, o reformador John Knox (†1572), que tornara-se discípulo de Calvino em Genebra e voltara à sua terra em 1559. Maria Stuart foi executada por ordem de Elizabete em 1587.
O conflito político-religioso foi particularmente complexo e violento na França. A facção ultra-católica (família Guise-Lorraine) concentrava-se no norte e leste do país, ao passo que os reformados ou huguenotes eram mais fortes no oeste e sudoeste (famílias Bourbon e Montmorency). Francisco I (1515-47) e seu filho Henrique II (1547-59) mostraram-se crescentemente hostis aos reformados. Sob Francisco II (1559-60) aumentou a influência dos Guises. No reinado de Carlos IX (1560-74), a regente Catarina de Médici inicialmente mostrou-se tolerante para com os huguenotes, buscando uma aproximação entre eles e os católicos no fracassado Colóquio de Poissy (1561). Seguiu-se um período de guerras religiosas (1562-98), que teve como seu episódio mais brutal o massacre do Dia de São Bartolomeu (24-08-1572), em que milhares de huguenotes foram mortos. Em 1598, o Edito de Nantes concedeu tolerância limitada aos reformados.
Nos Países Baixos, calvinistas, luteranos e anabatistas sofreram forte repressão por parte de Carlos V, Filipe II (1555-98) e o famigerado Duque de Alba (1567). O protestantismo difundiu-se no contexto da luta contra a tirania espanhola, luta essa liderada pelo príncipe alemão Guilherme de Orange (†1584), um grande defensor da plena liberdade religiosa. Eventualmente os Países Baixos dividiram-se em Holanda (protestante) e Bélgica e Luxemburgo (católicos). O período da Reforma terminou no continente europeu com a Paz de Westfália (1648), que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos.
No séc. XVIII, teóricos iluministas dos direitos naturais como John Locke e Hugo Grócio popularizaram a noção de que o governo civil estava baseado em um contrato social e não na ordenança de Deus. Armados com esse conceito, os estados nacionais emergentes tenderam a tornar a igreja subserviente ao bem-comum da sociedade e passaram a esperar que a religião institucional se mantivesse distante das questões políticas. Todavia, o desenvolvimento desse conceito na Europa e no restante do mundo foi desigual, e ressurgiram tentativas de controle da igreja pelo estado. Somente nos recém-criados Estados Unidos da América o governo concordou explicitamente com um novo sistema que buscou garantir a liberdade religiosa através da separação entre a igreja e o estado.
2.6 A Igreja Católica no período moderno
Nos séculos XVI e XVII, boa parte das relações entre a Igreja Católica e o estados europeus giraram em torno de duas preocupações: a luta contra o protestantismo (Contra-Reforma: Concílio de Trento:1545-63, Inquisição, guerras religiosas) e o esforço para implantar a fé nos novos impérios coloniais nas Américas, África e Ásia. Em ambos os aspectos viriam a desempenhar um papel importante e controvertido os jesuítas (1540) e outras ordens religiosas.
A Revolução Francesa (1789-95) constituiu-se num rude golpe contra a igreja, por causa do seu intenso anti-clericalismo. Muitos revolucionários radicais quiseram destruir o cristianismo, visando substituí-lo pelo “Culto da Razão” ou o “Culto do Ser Supremo”. No período do terror, milhares de sacerdotes e leigos foram executados. Em 1798 os franceses invadiram os territórios papais e capturaram o papa Pio VI, que foi levado para a França como prisioneiro. Na chamada “era napoleônica” (1799-1815), a igreja voltou a ser por algum tempo a religião oficial, porém sujeita ao estado. Em 1808 Napoleão entrou em Roma e anexou os estados papais, sendo o papa Pio VII igualmente aprisionado.
A reação da igreja foi igualmente intensa. Os jesuítas, que haviam sido suprimidos em 1773, foram restabelecidos em 1814. O papado fortaleceu-se, especialmente no pontificado de Pio IX (1846-1878), o mais longo da história. Pio IX publicou a encíclica Quanta cura e o Sílabo de Erros, expressando a rejeição católica dos ideais democráticos e republicanos (separação entre igreja e estado, liberdade de consciência e de religião, educação leiga, etc.). Com a unificação da Itália em 1861, os estados papais e Roma foram anexados à nova nação (1870).
Assim, o pontificado de Pio IX marcou o fim do poder político-territorial dos papas, que alcançara o seu ápice no séc. XIII sob Inocêncio III. Ao mesmo tempo que perdeu o seu poder político, Pio IX esforçou-se por afirmar a sua autoridade em questões religiosas. Sob sua direção, o Concílio Vaticano I (1869-70) proclamou o dogma da infalibilidade papal. Em 1929, Pio XI finalmente reconheceu a perda definitiva dos territórios pontifícios, assinando com o ditador Benito Mussolini uma concordata mediante a qual foi criado o Estado do Vaticano. Foi somente no pontificado de João XXIII (1958-63) que a Igreja Católica finalmente abandonou a sua antiga atitude reacionária. No Concílio Vaticano II (1962-65), João XXIII convocou os participantes a “construírem uma ponte entre a Igreja e o mundo moderno” (González, History II, 352).
O regime nazista e a II Guerra Mundial (1939-45) criaram sérios problemas para católicos e protestantes. O papa Pio XII (1939-58) tem sido criticado por haver mantido uma atitude de silêncio diante das atrocidades nazistas contra os judeus. Por outro lado, os protestantes conhecidos como “cristãos alemães” apoiaram firmemente o hitlerismo, ao contrário da Igreja Confessante, que sofreu por causa da sua oposição ao regime. O mártir mais ilustre desse movimento foi o pastor e teólogo Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), executado pelos nazistas pouco antes do final da Grande Guerra.
No que diz respeito à Igreja Ortodoxa, quando os turcos otomanos conquistaram Constantinopla em 1453 e a Síria, Palestina e Egito em 1516-17, os cristãos desses territórios foram colocados sob a autoridade civil e eclesiástica dos patriarcas de Constantinopla e Alexandria, que todavia estavam sujeitos ao sultão. No séc. XIX e início do séc. XX, o império otomano foi desfeito e surgiram igrejas ortodoxas nacionais não só na Grécia, mas também na Sérvia, Bulgária e Romênia. Após 1950, somente a Grécia preservava alguma forma da tradicional união entre a igreja e o estado.
A queda de Constantinopla fez aumentar a importância de Moscou, a “terceira Roma”. Em 1547, Ivan IV da Rússia tomou o título de “czar” (césar) e em 1598 o metropolitano de Moscou assumiu o título de patriarca. Em geral, os czares exerceram forte controle sobre a igreja. Por suas ligações estreitas com o czarismo, a Igreja Russa foi alvo da fúria da Revolução Comunista de 1917, enfrentando restrições em maior ou menor grau até a derrocada da União Soviética, em 1989.
2.7 O experimento norte-americano
As condições das colônias americanas antes de 1776 não foram favoráveis ao “estabelecimento” de uma única igreja. Na realidade, durante a maior parte desse período muitas colônias tinham suas igrejas oficiais, como o congregacionalismo no norte (Nova Inglaterra) e o anglicanismo no sul (Virgínia, Geórgia, etc). Por outro lado, as colônias centrais caracterizavam-se por uma maior diversidade religiosa. Em Rhode Island, Pensilvânia, Nova Jérsei e Delaware não havia igrejas estatais, ao passo que em muitos outros lugares grandes números de batistas e quakers opunham-se àquelas que existiam.
A existência de numerosos grupos dissidentes e a necessidade de atrair colonos independentemente de sua persuasão religiosa tornavam difícil impor uma igreja oficial. Na época da revolução, quando os novos estados escreveram as suas constituições, quase todos deixaram de ter igrejas estabelecidas. O último estado a fazê-lo foi Massachusetts, em 1833.
A Constituição Americana (1787) proibiu testes religiosos como qualificação para ocupar cargos públicos (final do art. 6º) e a sua Primeira Emenda dispos que “o Congresso não aprovará qualquer lei referente ao estabelecimento da religião ou proibindo o livre exercício da mesma”. Havia sido inaugurado um novo experimento nas relações entre a igreja e o estado, com o forte apoio dos batistas, menonitas, quakers, e a maior parte dos metodistas e presbiterianos – todos os quais queriam proteger a liberdade das igrejas e a consciência individual da interferência do estado – e também o apoio dos pais fundadores, a maior parte dos quais eram deístas que queriam proteger o estado do controle clerical.
Esses eventos tornaram possível o surgimento de um fenômeno típicamente americano – o denominacionalismo. O modelo americano de separação entre igreja e estado, plena liberdade de consciência e diversidade denominacional foram progressivamente aceitos na maior parte do mundo ocidental.
Os protestantes evangélicos, o grupo religioso dominante no início do período nacional, bem como Thomas Jefferson e seus partidários entenderam que havia uma “parede de separação” entre a igreja e o estado, que devia ser mantida a todo custo, para o bem da república e a prosperidade da verdadeira religião. Todavia, esses grupos não tentaram segregar a religião da vida nacional. Referências gerais à religião da maioria eram aceitáveis no que era então um país essencialmente homogêneo. A crescente diversidade religiosa do séc. XIX e a controvérsia modernista-fundamentalista do início do séc. XX haveriam de alterar profundamente esse quadro.
Em décadas recentes, os tribunais têm sido chamados a resolver questões complexas que dividem a opinião pública americana e relacionam-se em maior ou menor grau com as relações entre a igreja e o estado: abertura do comércio aos domingos, tributação de propriedades das igrejas, religião e oração nas escolas públicas, apoio estatal às escolas paroquiais, grupos de pressão das igrejas, recusa a participação em guerras por motivo de consciência, aborto, pornografia e censura, homossexualismo. Importantes fenômenos recentes são o crescimento de seitas autoritárias e o avanço político da nova “direita religiosa”.
2.8 Igreja e estado na história do Brasil
No final da Idade Média, a forte integração entre o estado e a igreja na Península Ibérica deu origem ao fenômeno conhecido como padroado ou patronato. Pelo padroado, a Igreja de Roma concedia a um governante civil certo controle sobre uma igreja nacional, em apreciação por seu zelo cristão e como incentivo a futuras “boas obras”. Entre 1455 e 1515 quatro papas concederam direitos de padroado aos reis portugueses, que assim foram recompensados por seus esforços em derrotar os mouros, descobrir novas terras e trazer outros povos à cristandade.
A descoberta e colonização do Brasil foi um empreendimento conjunto do estado português e da Igreja Católica, no qual a coroa desempenhou o papel predominante. O estado forneceu os navios, financiou o empreendimento, construiu as igrejas e pagou o clero, mas também teve o direito de nomear os bispos, recolher os dízimos, aprovar documentos e interferir em quase todas as áreas da igreja.
Com a vinda do primeiro governador-geral, Tomé de Souza, também chegaram os primeiros jesuítas, liderados pelo padre Manoel da Nóbrega (1549). Por 210 anos eles foram os principais missionários e educadores no Brasil. Alguns deles foram defensores dos índios, como o celebrado padre Antonio Vieira (1608-97). Ao mesmo tempo, os jesuítas tornaram-se os maiores proprietários de terras e senhores de escravos do Brasil colonial.
Em 1759 os jesuítas foram expulsos de todos os territórios portugueses pelo Marques de Pombal (1751-77), Sebastião José de Carvalho e Melo, o primeiro-ministro de D. José I. Por causa de sua riqueza e influência, eles tinham muitos inimigos entre os líderes eclesiásticos, proprietários de terras e autoridades civis. Sua expulsão resultou tanto do anticlericalismo que se alastrava pela Europa, quanto do regalismo de Pombal, a noção de que todas as instituições da sociedade, principalmente a igreja, devem ser inteiramente subservientes ao rei.
Desde o início da colonização, a coroa portuguesa foi lenta em seu apoio à igreja: a primeira diocese foi fundada em 1551, a segunda somente em 1676 e em 1750 havia apenas oito dioceses no vasto território. Nenhum seminário para o clero secular foi criado até 1739. Todavia, a coroa nunca deixou de recolher os dízimos, que vieram a ser o principal tributo colonial. Com a expulsão dos jesuítas, que eram em grande parte independentes das autoridades civis, a igreja tornou-se ainda mais fraca.
Durante o período colonial, o Brasil manteve-se isolado, sendo inteiramente vedada a entrada de protestantes, principalmente após as invasões dos franceses (1555-67) e holandeses (1624-54). Porém, com a chegada da família real em 1808, abriram-se as portas do país para a entrada legal dos primeiros protestantes, os seja, os ingleses. (Ver Reily, 40; Matos, 71).
Com a independência, surgiu a necessidade de atrair imigrantes europeus, inclusive protestantes. A Constituição Imperial, promulgada em 1824, concedeu-lhes certa liberdade de culto, ao mesmo tempo em que confirmou o catolicismo como religião oficial. (Ver Reily, 42; Matos, 73). Até a proclamação da república, os protestantes enfrentariam sérias restrições no que diz respeito ao casamento civil, uso de cemitérios e educação.
Desde o séc. XVIII, começaram a tornar-se influentes no Brasil novos conceitos e movimentos surgidos na Europa, tais como o iluminismo, a maçonaria, o liberalismo político e os ideais democráticos americanos e franceses. Tais idéias tornaram-se especialmente influentes entre os intelectuais, políticos e sacerdotes, e tiveram dois efeitos importantes na área religiosa: o enfraquecimento da Igreja Católica e uma crescente abertura ao protestantismo.
O liberalismo de muitos religiosos brasileiros, inclusive bispos, é ilustrado pelo padre Diogo Antonio Feijó (regente do império em 1835-37), que em diferentes ocasiões propôs a legalização do casamento clerical, sugeriu que os Irmãos Morávios fossem convidados para educar os índios e defendeu um concílio nacional para separar a igreja brasileira de Roma.
D. Pedro II (1841-89) utilizou plenamente seus direitos legais de padroado, bem como os poderes adicionais do recurso (em casos de disciplina eclesiástica) e do “placet” (censura de todos os documentos eclesiásticos antes de sua publicação no Brasil), em virtude da sua preocupação com o ultramontanismo. Um autor comenta que, durante o longo reinado de Pedro II, a igreja não passou de um departamento regular do governo.
Todavia, no pontificado de Pio IX (1846-78) Roma começou a exercer um maior controle sobre a igreja brasileira. As idéias da encíclica Quanta cura e seu Sílabo de Erros tiveram rápida difusão, apesar de não receberem o placet de Pedro II. O Sílabo atacou violentamente a maçonaria numa época em que os principais estadistas brasileiros e o próprio imperador estavam ligados às lojas. Isto acabou desencadeando a famosa Questão Religiosa (1872-75), um sério confronto entre o governo e dois bispos (D. Vital Maria Gonçalves de Oliveira e D. Antônio de Macedo Costa) que enfraqueceu o império e contribuiu para a proclamação da república. (Ver Matos, 43).
A Questão Religiosa marcou o início de uma renovação católica que se aprofundou no período republicano. À medida que afirmava a sua autonomia diante do estado, a Igreja tornou-se mais universalística, mais romana. O próprio sacerdócio tornou-se mais estrangeiro. Ao mesmo tempo, ela teve de enfrentar a concorrência de outros grupos religiosos e ideologias, além do protestantismo, tais como o positivismo e o espiritismo.
O séc. XIX testemunhou um longo esforço dos protestantes para obter completa legalidade e liberdade no Brasil, 80 anos de avanço lento, porém contínuo, em direção à plena tolerância (1810-90). Um passo importante na conquista da liberdade de expressão e de propaganda ocorreu quando o Rev. Roberto R. Kalley, pressionado pelas autoridades, consultou alguns juristas destacados e obteve opiniões favoráveis quanto às suas atividades religiosas. (Ver Reily, 104). Finalmente, em 1890, um decreto do governo republicano consagrou a separação entre a igreja e o estado, assegurando aos protestantes pleno reconhecimento e proteção legal. (Ver Reily, 224).
Em fevereiro de 1891, a primeira constituição republicana proclamou a separação entre a igreja e o estado, bem como outras medidas liberais tais como a plena liberdade de culto, o casamento civil obrigatório e a secularização dos cemitérios. Sob influências liberais e positivistas, a constituição omitiu o nome de Deus, afirmando assim a caráter não religioso do novo regime, e a Igreja Católica foi colocada em pé de igualdade com todos os outros grupos religiosos; a educação foi secularizada, a religião sendo omitida do novo currículo. Em uma carta pastoral (março de 1890), os bispos deram as boas-vindas à república, mas também repudiaram a separação entre a igreja e o estado.
A partir de então, a igreja teve duas grandes preocupações: obter o apoio do estado e aumentar a sua influência na sociedade. Um dos primeiros passos foi fortalecer a estrutura interna da igreja: criaram-se novas estruturas eclesiásticas (dioceses, arquidioceses, etc.) e fundaram-se novos seminários. Foi incentivada a vinda de muitos religiosos estrangeiros para o Brasil (capuchinhos, beneditinos, carmelitas, franciscanos). A igreja também manteve sua firme oposição contra a modernidade, o protestantismo, a maçonaria e outros movimentos.
Dois grandes líderes foram especialmente influentes nesse esforço renovador: primeiro, o padre Júlio Maria, que, de 1890 até a sua morte em 1916, foi muito ativo como pregador e escritor, visando mobilizar a igreja e tornar o Brasil verdadeiramente católico. Mais notável foi D. Sebastião Leme da Silveira Cintra (1882-1942), o líder responsável pela orientação e mobilização da Igreja Católica brasileira na primeira metade do séc. XX, como arcebispo de Olinda e Recife (1916-21), coadjutor no Rio de Janeiro (1921-30) e cardeal arcebispo do Rio até a sua morte. (Ver Matos, 56-58).
Em 1925, D. Leme propôs emendas à constituição que dariam reconhecimento oficial à Igreja Católica como a religião dos brasileiros e permitiriam a educação religiosa nas escolas públicas. As chamadas emendas Plínio Marques enfrentaram a vigorosa oposição dos protestantes, maçons, espíritas e da imprensa, sendo eventualmente rejeitadas. Porém, sob Getúlio Vargas, a Constituição de 1934 finalmente incluiu todas as exigências católicas.
Na década de 1920, a Comissão Brasileira de Cooperação, liderada pelo Rev. Erasmo de Carvalho Braga (1877-1932) procurou unir as igrejas evangélicas na luta pela preservação dos seus direitos e no exercício de um testemunho profético junto à sociedade brasileira. Esse esforço teve prosseguimento até os anos 60 na Confederação Evangélica do Brasil. Após 1964, as relações entre as igrejas evangélicas, por um lado, e a Igreja Católica, por outro lado, com o estado brasileiro, tomaram rumos por vezes diametralmente opostos, cujas profundas conseqüências fazem-se sentir até os nossos dias.
3. Informações bibliográficas
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Tópicos:
Cairns: Cristo ou César: perseguições (p. 70), a igreja enfrenta o império e os bárbaros, 313-590 (99), o renascimento do imperialismo no ocidente, 590-800 (146), a formação do Sacro Império Romano, 800-1054 (154), o apogeu do poder papal, 1054-1305 (169), o papado enfrenta oposição externa, 1305-1517 (211), a reforma e o puritanismo na Inglaterra, 1517-1648 (266), as vitórias e as vicissitudes do catolicismo romano, 1789-1914 (333), a igreja e a ordem social, 1914- (409)
González, História: primeiros conflitos com o estado (I:49), perseguição no segundo século (I:61), perseguição no terceiro século (I:133), a grande perseguição e o triunfo final (I:163); Constantino (II:15), o reino de Carlos Magno (III:139), o papado sob a sombra da França (V:35), Lutero: os dois reinos (VI:72), o empreendimento espanhol (VII:32), Brasil (VII:197), galicanismo e oposição ao poder papal (VIII:82), destino manifesto e guerra com o México (IX:31), a igreja nas novas nações latino-americanas (IX:85), o papado e a Revolução Francesa (IX:106)
González, Pensamento II: poder civil e autoridade eclesiástica, séc. XI (176), Inocêncio III e a autoridade papal (212-216); Pensamento III: Lutero (68-69), Zuínglio (80-82), anabatistas (91-92), Calvino (175-177), Richard Hooker (197), Erasto (282), Knox (295), puritanos (296), galicanismo (396-406), Pio IX e o sílabo (412s), Leão VIII (418), o fim da “cristandade” (438)
Walker: o cristianismo e o império romano (I:72), Constantino (I:154), os francos e o papado (I:265), Carlos Magno (I:268), o papado e o Sacro Império (I:292), Hildebrando e Henrique IV (I:297), o fim da luta das investiduras (I:301), a apogeu e o declínio do papado (I:360), a reforma inglesa (II:81)
3.2 Obras específicas
CAVALCANTI, Robinson. Cristianismo & política: teoria bíblica e prática histórica. Viçosa, MG: Editora Ultimato, 2002.
CULLMAN, Oscar. Cristo e política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. Original em inglês: The State in the New Testament (1956).
GARDNER, E.C. A ordem política. Em: Fé bíblica e ética social. São Paulo: ASTE, 1965, p. 364-400.
LINDER, R.D. Igreja e estado. Em: ELWELL, Walter A. (Ed.). Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 1990, Vol. II, p. 297-303.
LLOYD-JONES, D.M. A igreja e o estado: funções diferentes. São Paulo: PES.
MEETER, H. Henry. La iglesia y el estado. Grand Rapids: TELL, s.d. Título original: The basic ideas of Calvinism.
RIBEIRO, Daniel. Igreja e estado na Idade Média: relações de poder. Belo Horizonte: Editora Lê, 1995.
3.3 Brasil e América Latina
RIBEIRO, Boanerges. Protestantismo no Brasil monárquico (1822-1888): aspectos culturais da aceitação do protestantismo no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1973.
RIBEIRO, Boanerges. Igreja evangélica e República brasileira: 1889-1930. São Paulo: O Semeador, 1991.
SCHALKWIJK, Frans Leonard. Igreja e Estado no Brasil holandês: 1630-1654. Recife: Fundarpe, 1986.
VIEIRA, David Gueiros. O protestantismo, a maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1980.
3.4 Fontes
BETTENSON, Henry (Ed.). Documentos da igreja cristã. 3a ed. São Paulo: ASTE e Simpósio, 1998.
REILY, Duncan A. História documental do protestantismo no Brasil. São Paulo: ASTE, 1993.
3.5 Documentos relevantes
(a) Bettenson, Documentos da igreja cristã:
Tácito: a perseguição de Nero, 64 (27)
Suetônio: os judeus são expulsos de Roma, c. 52 AD (28)
Suetônio: a perseguição de Nero, 64 (28)
Plínio, o Jovem: os cristãos da Bitínia, c. 112 (28)
Trajano: a política do império para com os cristãos (31)
O rescrito de Adriano a Caio Minúcio Fundano, procônsul da Ásia, c. 125 (34)
Tertuliano: a perseguição, 197 (35)
Tertuliano: lealdade dos cristãos ao imperador, 197 (35)
Clemente Romano: a perseguição de Nero e martírio de Pedro e Paulo, c. 95 (37)
Igreja de Esmirna: o martírio de Policarpo, 155 (37)
Igrejas Galicanas: a perseguição de Lião e Viena, 177 (43)
A perseguição de Décio (libelo = certificado de sacrifício), 249-51 (45)
Cipriano: a perseguição no reinado de Valeriano, 253-60 (46)
Eusébio: o rescrito de Galiano, 261 (46)
Eusébio: a perseguição de Diocleciano, 303-305 (47)
Eusébio: tentativa de restauração do paganismo sob Maximiano, 308-311 (48)
Lactâncio: Edito de Tolerância, 311 (48)
Lactâncio: Edito de Milão, 313 (49)
Apoio de Constantino à igreja: restituição de bens, concessões, 313-316 (50-52)
Legislação de Constantino a favor da igreja, 319-321 (53)
Atanásio: carta de Ósio a Constâncio (54)
Juliano e os cristãos, 362 (55)
Graciano (375-83) e o julgamento de bispos: jurisdição da sé romana (56)
Teodósio (379-95): católicos e hereges, 380 (58)
Edito de Valentiniano III: a primazia papal, 445 (59)
Imperador Zenão (474-91): o Henotikon, 482 (156)
A controvérsia iconoclasta: definição do 2º Concílio de Nicéia, 787 (162)
Nicolau I (858-67) e a sé apostólica: carta ao imperador Miguel, 865 (163)
Carlos Magno e a educação, 798 (168)
A “Doação de Constantino,” séc. VIII (168)
Decreto do papa Nicolau II (1058-61) sobre eleições papais, 1059 (173)
Carta do Sínodo de Worms a Gregório VII, janeiro 1076 (174)
Deposição de Henrique IV por Gregório VII, fevereiro 1076 (177)
Carta de Gregório VII (1073-85) ao bispo de Metz, 1081 (178-86)
A Concordata de Worms, 1122 (186)
Inocêncio III (1198-1216) e as pretensões papais (188)
Bonifácio (1294-1303) : bula Clericis Laicos, 1296 (190)
Bonifácio: bula Unam Sanctam, 1302 (192)
A Inquisição e o poder secular: 4º Concílio de Latrão, 1215 (217)
Carta de Guilherme, o Conquistador, a Gregório VII: recusa de fidelidade, c.1075 (249)
Carta de Henrique a Anselmo: a posição constitucional do arcebispo, 1100 (251)
O acordo de Bec, 1107 (252)
Henrique II x Thomas Becket: a constituição de Clarendon, 1164 (253)
Inocêncio III: interdito papal sobre a Inglaterra, 1208 (258)
João Sem Terra: entrega do reino ao papa, 1213 (260)
João Sem Terra: carta eclesiástica, 1214 (262)
Magna Carta: cláusulas eclesiásticas, 1215 (264)
Ricardo II: estatutos dos Provisores e de Praemunire, 1390, 1393 (só no original: 166-173)
Lutero: carta aberta à nobreza germânica, 1520 (291)
Lutero: resposta final à Dieta de Worms, 18-04-1521 (301)
A Paz de Augsburgo, 1555 (323)
Henrique IV: O Edito de Nantes, 1598 (324)
A Paz de Westfália, 1648 (326)
A submissão do clero a Henrique VIII, 1532 (328)
O princípio legal: proibição dos apelos a Roma, 1533 (329)
O princípio eclesiástico: O Ato de Dispensa, 1534 (331)
Henrique VIII: O Ato de Supremacia, 1534 (332)
Paulo III: bula condenatória de Henrique VIII, 1535 (333)
O Ato dos Seis Artigos, 1539 (334)
Elizabete I: O Ato de Supremacia, 1559 (336)
Pio V: bula Regnans in excelsis contra Elizabete I, 1570 (337)
Clero francês: A Declaração Galicana, 1682 (375)
Pio IX: O Sílabo de Erros, 1864 (378)
Pio XI: bula Quadragesimo Anno sobre questões sociais, 1931 (384)
(b) Reily, História documental do protestantismo no Brasil:
Base legal para o culto anglicano no Brasil, 1810 (40)
Status legal dos acatólicos no Brasil imperial, 1824 (41)
Primeira capela anglicana no Brasil, 1822 (47)
A influência alemã na questão dos casamentos protestantes, 1873 (61)
A luta pela ampliação da liberdade religiosa dos acatólicos, 1887 (64)
Robert Kalley e a definição da liberdade religiosa, 1859 (104)
Aprovação dos artigos orgânicos do Presbitério do Rio de Janeiro, 1872 (120)
Missionário Justus H. Nelson condenado à prisão, 1892 (199)
Liberdade de culto, 1890 (224)
Resistência protestante a tentativas de nova oficialização da ICR, 1931-33 (227)
Atitudes protestantes quanto à política, 1945, 1955 (273)
Os protestantes e o movimento de 1964 (318-22)