Primórdios da Igreja Reformada da França


O precursor da Reforma Protestante na França foi o humanista e erudito bíblico Jacques Lefèvre D’Étaples (c. 1455-1536). Lefèvre deu ênfase à autoridade das Escrituras, à interpretação “literal-espiritual”, à salvação pela graça, à justificação pela fé e à eleição.

 

Calvino visitou Lefèvre em Nerac, na primavera de 1534. Lefèvre teria dito que o futuro reformador seria “um instrumento para o estabelecimento do reino de Deus na França”. Entre os seus discípulos estava o bispo Briçonnet, de Meaux, que incentivava seus fiéis a lerem as Escrituras, mas não chegou a romper com a Igreja Romana.

 

O movimento reformado francês surgiu na década de 1530. As primeiras congregações foram dispersas pela repressão político-religiosa. O rei Francisco I (1515-1547) de início foi tolerante com os reformados, mas depois se mostrou extremamente hostil. Houve intensas perseguições e muitas execuções cruéis. Henrique II (1547-1559) foi ainda mais rigoroso que o seu pai. Era casado com a italiana Catarina de Médicis (Medici).

 

Em 1555 foi organizada em Paris a primeira igreja protestante. Nesse ano, Nicholas Durand de Villegaignon fundou no Brasil a França Antártica. Em 1559 reuniu-se o primeiro sínodo nacional das Igrejas Reformadas da França. Esse sínodo aprovou aConfissão Galicana, redigida essencialmente por Calvino.

 

Os protestantes franceses ficaram conhecidos como huguenotes. Entre eles havia artesãos, comerciantes e até mesmo algumas famílias nobres, como os Bourbon e os Montmorency. Os huguenotes estavam concentrados principalmente no oeste e sudoeste da França e recebiam forte apoio de Genebra. Um dos objetivos da Academia de Genebra, fundada em 1559, foi formar pastores para as igrejas reformadas da França.

 

Com o grande crescimento do movimento reformado, surgiram no país dois partidos político-religiosos: o partido huguenote, liderado pelo almirante Gaspar de Coligny, Luís de Condé e Henrique de Navarra, e o partido católico, chefiado pela poderosa família Guise-Lorraine.

 

Em 1559 o rei Henrique II morreu em uma competição. Foi sucedido no trono por seus três filhos, o primeiro dos quais governou pouco tempo – Francisco II (1559-1560). Em 1560, uma conspiração dos Bourbon contra os Guise foi descoberta e os rebeldes foram barbaramente executados (Conspiração de Amboise). Subiu ao trono Carlos IX (1560-1574).

 

Em setembro de 1561, tentando apaziguar os ânimos, a rainha regente Catarina de Médicis convocou as lideranças católicas e reformadas para o Colóquio de Poissy. A delegação huguenote foi chefiada por Teodoro Beza, pastor auxiliar de Calvino. O fracasso desse encontro abriu caminho para as guerras religiosas que afligiram a França durante várias décadas.

 

Em 1º de março de 1562, soldados do duque Francisco de Guise atacaram um grupo de huguenotes que realizavam um culto num celeiro – cerca de 60 pessoas foram mortas. O massacre de Vassy deu início à primeira guerra de religião, que terminou com o Tratado de Amboise no ano seguinte. Em seguida vieram a 2ª guerra (1567-1568), que terminou com o Tratado de Longjumeau, e a 3ª (1568-1570), encerrada com a Paz de Saint Germain.

 

No meio de todo esse sofrimento, as igrejas reformadas continuavam crescendo em muitas regiões do país. Esse crescimento gerava intensa preocupação em alguns círculos políticos e religiosos. Nos conflitos, verificou-se um padrão: os huguenotes costumavam atacar edifícios católicos e destruir objetos sagrados; os católicos reagiam atacando e matando pessoas.

 

O episódio mais brutal dessas hostilidades foi o massacre do dia de São Bartolomeu. Em 18 de agosto de 1572 realizou-se em Paris o casamento do príncipe protestante Henrique de Navarra (Bourbon) com a princesa Margarete de Valois, filha de Catarina de Médicis e irmã do rei Carlos IX. Toda a elite dos huguenotes foi para a capital a fim de participar das festividades.

No dia 22, o almirante Coligny sofreu um atentado, mas sobreviveu. Os huguenotes ficaram indignados e exigiram providências por parte do governo. Esse evento foi o estopim do massacre. No dia seguinte, o rei, seu irmão Henrique (duque de Anjou), Catarina e seus conselheiros concluíram que os líderes huguenotes deviam ser eliminados.

 

Na madrugada do domingo, dia 24 de agosto de 1572, sob o comando de Henrique, duque de Guise, as tropas reais assassinaram o almirante Coligny e outros líderes. Estimulados por isso, milicianos e extremistas começaram uma prolongada orgia de saques e matanças, trucidando indiscriminadamente homens, mulheres e crianças.

 

Logo os massacres se estenderam a outras cidades: Orléans, Lyons, Rouen, Saumur, Bourges, Meaux, Bordeaux e Toulouse. Uma estimativa conservadora calcula que houve 3000 vítimas em Paris e outras 8000 no interior do França. O papa Gregório XIII exultou: lançou uma medalha especial e contratou a produção de vários afrescos para comemorar o evento.

 

Muitos protestantes conseguiram escapar. Alguns se refugiaram nas fortalezas de Sancerre e La Rochelle. Milhares fugiram para Genebra, Basiléia, Estrasburgo ou Londres. Muitos outros abjuraram a sua fé. Beza observou: “O número de apóstatas é quase impossível de contar”. O massacre do dia de São Bartolomeu deu início a mais uma guerra, a quarta, que só terminou com uma trégua em 1574. Nesse ano subiu ao trono Henrique III (1574-1589), em cujo reinado ocorreram mais três guerras.

 

Finalmente, em 1589 tornou-se rei da França o príncipe protestante Henrique de Navarra, com o título de Henrique IV (1589-1610). Era filho da piedosa princesa calvinista Jeanne D’Albret. Em 1593, Henrique IV, famoso pelas suas vacilações religiosas, converteu-se ao catolicismo para assegurar a posse do trono. Segundo consta, ele teria dito: “Paris vale uma missa”.

 

Finalmente, em 1598 Henrique resolveu por um fim às guerras de religião e beneficiou os seus antigos correligionários com o Tratado de Nantes, que concedeu liberdade civil e religiosa aos huguenotes, exceto em algumas cidades como Paris, Rheims, Toulouse, Lyons e Dijon.

 

Os huguenotes voltaram a prosperar e a crescer até que o Edito de Nantes foi revogado pelo rei Luís XIV em 1685. Iniciou-se novo período de intensas provações – a “igreja no deserto”. Milhares deixaram o seu país e emigraram para a Holanda, Prússia, Inglaterra e Estados Unidos.