O acordo de Zurique (1549)


O acordo sobre a doutrina dos sacramentos firmado em 1549 pelos reformadores Henrique Bullinger e João Calvino em nome de suas respectivas igrejas (Zurique e Genebra) é conhecido como o Consensus Tigurinus (Acordo de Zurique). O contexto desse famoso documento confessional da fé reformada foram as disputas teológicas entre luteranos e zuinglianos desde o Colóquio de Marburg (1529), quando os dois grupos não conseguiram chegar a um entendimento acerca da Ceia do Senhor. Os primeiros afirmavam a presença física de Cristo no sacramento, ao passo que Zuínglio insistia numa interpretação meramente simbólica da Ceia. A posterior recusa dos zuinglianos em aceitar a Concórdia de Wittemberg (1536) e sua insistência na Primeira Confissão Helvética, do mesmo ano, resultou em fortes ataques da parte de Lutero. Essa situação exigia maior unidade doutrinária entre as diversas correntes do protestantismo suíço.

 

Em 1545, Lutero escreveu uma Breve Confissão sobre o Santo Sacramento. Em resposta a esse documento, Bullinger compôs, em nome dos pastores locais, a Confissão de Zurique (Verdadeira confissão dos ministros da igreja de Zurique… em particular sobre a Ceia de nosso Senhor Jesus Cristo). Ela não foi de fato uma confissão, mas um manifesto teológico. Bullinger buscou o apoio do seu amigo Calvino nessa questão. Embora este preferisse a teologia de Lutero à de Zuínglio, a situação pessoal, doutrinária e política do reformador de Genebra exigia o entendimento doutrinário com Zurique. Diante das críticas de Calvino ao documento, Bullinger reconsiderou as suas posições mais extremadas. Em 1546 ele enviou a Calvino um novo tratado sobre os sacramentos escrito em resposta a Lutero. Calvino respondeu em fevereiro de 1547 com uma crítica detalhada. Seguiu-se uma troca de correspondência que evoluiu para uma negociação teológica.

 

Em maio de 1549 Calvino foi repentinamente a Zurique para concluir essas negociações. Utilizando documentos anteriores e a Confissão de Genebra (“Confissão dos ministros da Igreja de Genebra sobre os sacramentos apresentada ao Sínodo de Berna”), escrita dois meses antes, o acordo foi redigido rapidamente pelos ministros de Zurique (“dentro de duas horas”, segundo Calvino). Três artigos calvinistas contidos na Confissão de Genebra foram suprimidos e foi acrescentada uma introdução em cinco artigos, bem como dois outros artigos desejados por Zurique. O documento final tinha 26 artigos. O prólogo original e um epílogo posteriormente foram substituídos por duas cartas dedicatórias. O texto finalmente foi impresso em 1551, por insistência de Calvino.

 

O Acordo de Zurique é um documento de concessões mútuas, apresentando os pontos mínimos de contato entre os dois reformadores. Seu objetivo foi representar, de modo bíblica e teologicamente correto, o vínculo entre os fiéis na terra e Deus no céu. A questão básica foi: “O que ocorre de singular na celebração dos sacramentos?” Os principais pontos são os seguintes: (a) o sacramento é definido como um sinal ou selo à moda zuingliana, mas também como um instrumento da graça divina para comunicar dons espirituais ao crente; (b) a relação entre o sinal sacramental e a realidade espiritual correspondente não admite um elo causal entre o sacramento e a salvação; no entanto, essas realidades terrestres e celestiais distintas são unidas e tornadas eficazes pela atuação do Espírito Santo; (c) a graça sacramental é limitada aos eleitos, sendo, portanto, uma graça santificadora, dada soberanamente por Deus ao crente, a qual não somente confirma, mas também aumenta a fé do crente; (d) os sacramentos nada trazem aos não-crentes a não ser condenação, mas selam a fé do crente pela obra do Espírito; (e) o acordo claramente rejeita as concepções católica e luterana sobre a presença de Cristo; visto que o céu é um lugar, o Cristo ressurreto não pode estar corporalmente presente na Ceia, embora esteja presente pelo Espírito onipresente.

 

Se Calvino foi o autor principal do documento, a influência de Bullinger está claramente presente. Embora sem dúvida tenha contribuído para aprofundar as relações entre Zurique e Genebra, levando Calvino e sua igreja para o círculo das igrejas reformadas suíças, o consenso também ampliou consideravelmente o fosso entre luteranos e reformados em meados do século 16. Melanchton, embora tenha rejeitado as cláusulas que faziam da eleição a condição da eficácia dos sacramentos, abandonou todas as suas suspeitas e hostilidade contra os suíços.